Os grupos de tabanka de Djarmai (ilha do Maio), de Salina (Santa Cruz) e de Txada Grande (Praia), estes dois últimos da ilha de Santiago, juntaram-se na tarde deste sábado, 22 de novembro, no Centro Histórico da Praia - o Plateau.
Na Rua Pedonal, aos sábado a tarde e nos domingos, onde o tempo parece sempre caminhar mais devagar, um som de tambores começou a abrir caminho entre transeuntes, turistas distraídos e muitos maienses que, ao ouvi-lo, endireitaram o corpo como quem reconhece o chamamento dos sons da festa da Santa Cruz.
Vieram da ilha do Maio, a Tabanka Djarmai, 25 almas, entre elas Marinha Santos Araújo, 62 anos, sorriso firme de quem conhece o peso e a leveza da tradição. "Nasci com a tabanka dentro de casa", disse com um orgulho calmo, quase íntimo. A mãe dançava na tabanka, ela seguiu-lhe os passos, e hoje continua a carregar no corpo uma memória que não aprendeu nos livros. Para Marinha, a viagem é mais do que um deslocamento: é um reencontro. Esta era apenas a sua segunda vez, da Tabanka Djarmai, em Santiago, depois de uma passagem por Santa Cruz para conviver com a Tabanka de Salina, mas falava como quem volta sempre a casa.
O encontro deste sábado foi, mais do que um desfile, um abraço entre ilhas. Do Maio e de Salinas, juntaram-se aos ritmos e cores de Txada Grande. Os passos marcavam o chão, e a Rua Pedonal transformou-se num corredor vivo e ritmado onde o passado e o presente caminhavam lado a lado. Turistas estrangeiros ficaram presos à cena, uns sorriam, outros filmavam, outros apenas observavam em silêncio, como quem percebe que está diante de algo que não se explica, sente-se.
A tabanka tem dessas coisas. Carrega séculos. Remonta ao tempo em que os escravizados, em Santiago, inventaram uma maneira de organizar o mundo à sua volta, criando ritos, hierarquias próprias, uma festa comunitária que era também resistência. E que, apesar dos séculos, continua a ser uma rede de apoio, um modo de estar entre vizinhos.
Hoje, a tabanka floresce sobretudo em Santiago e no Maio, onde foi elevada a Património Cultural Imaterial de Cabo Verde, em 2019. Há catorze grupos ativos, segundo o IPC (Instituto do Património Cultural), cada um com o seu santo, o seu ritmo, o seu jeito de cantar o tempo. Na Praia, há três: da Txada Santantoni, da Várzea e da Txada Grande. Uns celebram Santo António, outros São João. No Maio, a festa da Santa Cruz toma um mês inteiro, de 10 de abril a 10 de maio, com o grande dia a 3 de maio, quando a ilha se veste de devoção e alegria.
No Plateau, porém, neste sábado dia 22 de novembro, nada disso precisava de explicação. Bastava estar ali. Bastava ouvir. Bastava sentir os tambores e perceber que, por mais moderno que se torne o país, há tradições que não perdem o fôlego. A tabanka é uma delas: teimosa, resistente, bonita, como Marinha, que cantava e dançava no meio da multidão com a certeza, em alto volume, de quem sabe que a cultura, quando partilhada, nunca envelhece.
DB




