Crónica de Benvindo Neves
Nesta viagem damos protagonismo a um leão destas ilhas. Isso mesmo, um leão! À sua maneira, Cabo Verde orgulha-se, também, de poder ostentar, com estilo, o rei da selva. Se não em extensas savanas ou estepes tipicamente africanas - que não temos - pelo menos desenhado num monte.
Quando se chega a ilha do Sal, momentos antes de aterrarmos no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, se olharmos das janelas do lado esquerdo da aeronave, vemos, lá em baixo, uma ponta de terra que entra pelo mar adentro, na extremidade norte da baía da Murdeira.
Esse pequeno promontório é de cor castanha forte, sem qualquer sinal de vegetação, e destaca-se pela forma abrupta como entra pelo mar, deixando escapar, pela pontinha, um minúsculo ilhéu: o ilhéu Rabo de Junco. Mas, depressa, o avião aterra e tudo se transforma.
Ah! Ainda não tinha dito: essa ponta de rocha a entrar pelo mar adentro é o Monte Leão. Vamos, a partir de agora, observar, da terra, o rei da selva.
Adoro fazer o trajeto Espargos - Santa Maria. São cerca de 18 quilómetros de estrada sobre uma planície marcadamente castanha. Em princípio, poder-se-ia dizer que, ao longo do percurso, pouca coisa existe para se preencher a vista. Mas, não: basta olharmos para a direita, que o enorme “leão” faz-nos companhia até chegarmos ao sul da ilha.
Aquela rocha, que lá de cima parecia a entrar, desajeitada e agressiva, pelo mar adentro, aqui em baixo ganha a incrível forma de um enorme leão agachado, a olhar para o horizonte. Ali estatelado de olhos fixos no mar, o felino que dá nome ao monte guarda toda a extensa baía da Murdeira e, apesar de estar de costas para os Espargos, não deixa de ser, igualmente, um importante guardião daquela cidade.
Se ao longo do dia o leão já é esplêndido, à tardinha, o enorme “bicho” ganha outra magnitude, com o crepúsculo. É que o sol, que nasce do lado contrário, vem ter com ele. O ocaso solar dá-se exatamente junto ao animal, quer dizer, junto ao monte. Nesse instante, o leão metamorfoseia-se, vira negro, e mete o focinho no oceano, que também ganha outra cor: de azul, vira alaranjado.
À tardinha, com o sol a mergulhar no oceano, sabe muito bem uma viagem de Santa Maria até Espargos, de olhos voltados para o Monte Leão. A imagem do rei da selva, todo de negro a fitar o horizonte alaranjado, transporta-nos para a magia da savana africana prenhe de vida selvagem. Até ficamos a imaginar umas aventuras do Simba e seus companheiros, tendo como palco o chão ressequido da ilha do Sal.